Ego

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Pisei todos os caminhos, incluindo aqueles que estavam cobertos de Trevas. Evitei voar sobre eles mesmo na certeza de que o Sol brilhava mais acima daquele lugar. Toquei-me de Trevas e, já sem asas, ausentei-me do Sol.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Nossa Gaveta de Papéis

Deixaram uma gaveta aberta. Aquela gaveta aberta e vazia. Deixaram a gaveta aberta e não sei como a fechar. Os papéis que estavam na gaveta estão espalhados pelo meio do chão, piso-os enquanto caminho descalça pela casa e eles ferem-me os pés. E faltam papéis, e faltam palavras e frases nos papéis. E falto eu. Faltas-me tu. Deixaram a gaveta aberta e foram embora; veio o vento e misturou os papéis que estavam organizados dentro da gaveta. Veio o vento e derrubou o copo de água que estava em cima da mesa por cima das letras que cobriam os papéis. A tinta de caneta que escrevia as palavras manchou os papéis. Deixaram de existir frases, passou a existir ausência. Ausência de mim. Ausência de ti. Faltamos nós nos papéis. Quando foram embora e deixaram a gaveta aberta, não tive força nem vontade para fechá-la. Fiquei sentada no chão, encostada a um canto da sala, enquanto o vento entrava pelas janelas partidas da minha casa suja e fria. Assisti ao filme: o vento a empurrar os papéis contra as paredes, a esmagá-los uns contra os outros. O vento a esmagar-me por dentro. Tive medo, e tive frio. Não havia mais ninguém na casa. Era só a gaveta, os papéis, o vento e aquilo que ainda restava de mim. Quis gritar mas a minha voz calou-se dentro de mim. E se gritasse ninguém me ouvia porque faltavas tu. E quis chorar abraçada a alguém que não existia ali. Faltavas tu. Quis levantar-me mas não sabia da força: faltavas tu. Eu era a gaveta que deixaram aberta. E os papéis eram o meu coração fragmentado, a minha alma. As letras e frases falavam das minhas histórias, escreviam o diário da minha vida. Eles eram o vento e não podias ser tu. O vento eram eles que me esmagaram contra as paredes e deixaram sozinha no vazio assustador daquela casa. O sangue no chão era sangue das feridas abertas que ficaram aqui espalhadas por mim, porque eram eles e não podias ter sido tu. A porta da casa abriu-se. Ouvi passos, passos que vinham na minha direcção. Não quis olhar, não quis saber quem era. Não podias ser tu. Apanhou os papéis do chão, um por um. Sentou-se numa cadeira, naquela cadeira onde me sentava a escrever coisas de mim, e ordenou os papéis. Em folhas brancas escreveu novas palavras, novas frases que falavam de mim. No fim colocou todos os papéis dentro da gaveta e fechou-a, trancou a gaveta e enterrou a chave no cemitério do meu sofrimento. E tocou-me, agarrou a minha mão e deu-me a força que me faltava para me levantar. Pegou-me ao colo e levou-me para a cama. Tapou-me com aquela manta cor de céu e deitou-se ao meu lado. Ficou comigo até adormecer, disse que ia ficar tudo bem. E eu soube que eras tu, só podias ter sido tu.

2 comentários:

Soul Of Blade disse...

Mt bonito! =)
Só podia ter vindo de uma lula... xD

bjinhos

Anónimo disse...

Gostei muito. És tão trasparente, e com isso quero dizer que é algo positivo. Revejo-te nas palavras que escolhes(ou que te escolhem), até consigo descobrir pedaços de mim! A escrita também é essa identificação - deixar de ser só nossa e passar a ser um pouco de quem lê. Continua! Bjos, N