Ego

A minha foto
Pisei todos os caminhos, incluindo aqueles que estavam cobertos de Trevas. Evitei voar sobre eles mesmo na certeza de que o Sol brilhava mais acima daquele lugar. Toquei-me de Trevas e, já sem asas, ausentei-me do Sol.

domingo, 15 de novembro de 2009

Pedaços de Outono

Hoje lembrei-me que houve um tempo em que acreditava que valia a pena acreditar. Outono. Foi um tempo em que a casa da minha avó ainda era a minha casa e eu acordava todas as manhãs com o cheiro do café feito naquela cafeteira velhinha, o café da minha avó feito ao calor das brasas da lareira. Era naquele tempo que eu me levantava e ainda o sol vinha lá atrás, raiava por entre os sobreiros e batia na janela do meu quarto. E o nevoeiro vinha baixinho cobrir as cores da terra molhada pelo orvalho. Saia descalça do quarto, atravessava o corredor a correr, entrava na cozinha e já a minha avó tinha sobre a mesa a minha caneca preferida cheia daquele café cheiroso e bom. Com três colheres de açúcar, netinha. E a fatia de pão acabado de sair do forno da avó com a marmelada que eu a ajudava a fazer todos os anos. Pega-me ao colo que quero apanhar aquele ali em cima, aquele que é o mais amarelinho.
Vestia-me á pressa. Queria lá saber de mim. Preocupava-me que a minha avó fosse embora pelo monte acima buscar a lenha para o lume e se esquecesse de me chamar. Então calçava as minhas botas de borracha verdes e corria porta fora, corria monte acima e o meu cão ladrava-me, e eu dizia-lhe que viesse. Lá íamos os três, eu, o meu cão e a Avó. Lembro-me que parava sempre lá em cima e esperava pela avó porque a avó já estava velhinha e eu tinha de esperar por ela, mas não esperava muito porque a minha avó velhinha não se cansava. Sei que se demorava, vinha pelo caminho apanhando um pauzinho ali, uma pinha acolá e eu pensava, gosto tanto de ti, avó. Eu, ali, pequenina, sentada em cima de um tronco, e o nevoeiro cobria-me até aos joelhos. De repente, imaginava-me a saber voar, tinha umas asas grandes e fininhas que o sol teimoso fazia brilhar, ai como eu voava. E via a avozinha lá em baixo tornar-se cada vez mais pequenina. Mas agora que eu sabia voar ajudava mais a avó, carregava-lhe a lenha toda. Às vezes pegava na avó e voava com ela. Um portal abria-se no céu e eu atravessava para o outro lado. Era tão bonito, e só existíamos nós duas, eu e a avó. Joaninha, vamos filha! E lá voltava eu, sem asas para levar a avó ao outro lado. O caminho de regresso a casa era sempre mais triste. Vinha a pensar que não podia deixar a avó sozinha, alguém com asas podia pegar-lhe e leva-lá lá para aquele lado! E eu ia ficar sozinha sentadinha no tronco de madeira á espera que a avó voltasse porque eu sei que ela não ia á lenha sem mim.
Hoje é Outono e a avó, provavelmente, foi á lenha sozinha. Porque eu estou mais longe do que desejava estar e não posso ir á lenha com ela. Mas sei que ela se sentou naquele tronquinho e que o nevoeiro lhe tocou os joelhos. Avó sei que estiveste sentada no meu tronco e que antes de voltares para casa te esqueceste que eu não estava e disseste: Joaninha, vamos filha! E eu aqui respondi-te: Avó, posso ter umas asas?


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