Ego

A minha foto
Pisei todos os caminhos, incluindo aqueles que estavam cobertos de Trevas. Evitei voar sobre eles mesmo na certeza de que o Sol brilhava mais acima daquele lugar. Toquei-me de Trevas e, já sem asas, ausentei-me do Sol.

sábado, 21 de novembro de 2009

José Luís Peixoto

Agora, compro as lâminas no supermercado,
vêm embrulhadas em papéis limpos.
Antes, usava uma tesoura qualquer, ou uma faca.
Eu não pertenço. O risco da pele cortada e o sangue
cobrem a voz da minha mãe, cobrem acordar
de manhã e cobrem as cartas que chegam
todos os dias à caixa do correio.

Eu não pertenço. Trato das feridas com água oxigenada
e com tintura de iodo. Trato das cicatrizes como
se tratasse de uma planta que cresce. Antes de pousar
o canto da lâmina sobre a pele, já sei onde quero fazer
o próximo corte depois desse. As cicatrizes são linhas
paralelas e imperfeitas que comparo aos fios
de uma pena molhada.

E posso cruzar-me com o espelho do guarda-fatos,
posso estender-me sobre a cama desfeita, posso
fotografar-me e afixar-me na internet, mas
no fim de cada noite, eu sei sempre que não pertenço
nem à vida, nem à morte.

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