O meu bisavô morreu. Eu nunca chamei bisavô ao meu bisavô, chamava-lhe pelo nome. E ele chamava-me muitos nomes diferentes porque os anos turvaram-lhe a memória do meu nome. Quando conheci o meu bisavô ele já era muito velho e rabugento, mais tarde percebi que ele sempre tinha sido rabugento, e também sempre tinha sido velho. Lembro-me sempre de ver o meu bisavô sentado numa cadeira à porta de casa, e lembro-me de ele não gostar que os meus gatos lhe entrassem em casa. A névoa tinha ocupado os olhos do meu bisavô muito antes do dia em que morreu: todos os dias de sol, em que o céu era azul e sem nuvens o meu bisavô dizia, não se vê nada com este nevoeiro, e mais tarde o meu bisavô passou a dizer que todos os dias fazia nevoeiro e que o tempo já não era como antes. O tempo já não era o tempo dele. O meu bisavô chamava a minha avó todas as manhãs e zangava-se quando ela demorava. Às vezes penso que o meu bisavô nunca pensou em mim. Não me lembro da felicidade do meu bisavô, não me lembro do amor dentro do meu bisavô. Quando me lembro dele só o vejo sentado na cadeira à porta de casa, e a zangar-se com os gatos e com a minha avó. E lembro-me que os dias do meu bisavô eram sempre cheios de nevoeiro.
O meu bisavô morreu e eu não chorei. O meu bisavô morreu e eu não fui ao funeral. Foi muita gente ao funeral do meu bisavô, gente que não era prima, neta, filha ou irmã do meu bisavô. Mas eu não fui. Não chorei quando o meu bisavô morreu. Às vezes penso que devia ter chorado pelo meu bisavô mas depois também penso que o meu bisavô nunca pensou em mim. O meu bisavô nem sabia o meu nome, e quando me chamava, chamava-me muitos nomes diferentes e nunca acertava no meu.
Quando passo pela casa onde morava o meu bisavô e onde ele era mau e rabugento ainda o vejo lá, ele está sentado numa cadeira à porta de casa, e os olhos dele estão muito longe, perdidos no tempo que a vida já lhe roubou. Mas a verdade é que ele não pode lá estar, porque a casa do meu bisavô agora está cheia de coisas inúteis: caixas, caixotes, caixas mais pequenas com coisas avariadas, caixas médias com relógios partidos, malas de viagem que estão aprisionadas na casa do meu bisavô.
O meu bisavô adormeceu uma noite, e nessa noite adormeceu para sempre. De manhã ele não gritou, Maria, que é o nome da minha avó, ele nunca mais gritou, Maria. O meu bisavô, pouco antes de morrer, dizia muitas coisas sem sentido, e eu ria-me.
Eu podia ter chorado pelo meu bisavô, podia ter ido ao funeral do meu bisavô, podia ter-me importado mais com a morte do meu bisavô. Afinal ele era meu bisavô e eu nunca lhe chamava bisavô, chamava-lhe, Tio Domingos. Domingos era o nome do meu bisavô, e tio era o que toda a gente lhe chamava.
O meu bisavô morreu há dois anos e eu não chorei, mas ainda me rio das coisas sem sentido que o meu bisavô dizia.
O meu bisavô morreu e eu não chorei. O meu bisavô morreu e eu não fui ao funeral. Foi muita gente ao funeral do meu bisavô, gente que não era prima, neta, filha ou irmã do meu bisavô. Mas eu não fui. Não chorei quando o meu bisavô morreu. Às vezes penso que devia ter chorado pelo meu bisavô mas depois também penso que o meu bisavô nunca pensou em mim. O meu bisavô nem sabia o meu nome, e quando me chamava, chamava-me muitos nomes diferentes e nunca acertava no meu.
Quando passo pela casa onde morava o meu bisavô e onde ele era mau e rabugento ainda o vejo lá, ele está sentado numa cadeira à porta de casa, e os olhos dele estão muito longe, perdidos no tempo que a vida já lhe roubou. Mas a verdade é que ele não pode lá estar, porque a casa do meu bisavô agora está cheia de coisas inúteis: caixas, caixotes, caixas mais pequenas com coisas avariadas, caixas médias com relógios partidos, malas de viagem que estão aprisionadas na casa do meu bisavô.
O meu bisavô adormeceu uma noite, e nessa noite adormeceu para sempre. De manhã ele não gritou, Maria, que é o nome da minha avó, ele nunca mais gritou, Maria. O meu bisavô, pouco antes de morrer, dizia muitas coisas sem sentido, e eu ria-me.
Eu podia ter chorado pelo meu bisavô, podia ter ido ao funeral do meu bisavô, podia ter-me importado mais com a morte do meu bisavô. Afinal ele era meu bisavô e eu nunca lhe chamava bisavô, chamava-lhe, Tio Domingos. Domingos era o nome do meu bisavô, e tio era o que toda a gente lhe chamava.
O meu bisavô morreu há dois anos e eu não chorei, mas ainda me rio das coisas sem sentido que o meu bisavô dizia.
1 comentários:
Ola. Gostei mesmo muito desta postagem. Tem mesmo algo de pessoal.
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