O suspiro na noite atravessa o mármore da capela
E mostra, hoje revela
A morbidez do olhar
Que canta, encanta a luz no altar
Respira se ainda consegues sentir
Sente e pensa, memórias contidas sucumbem á queda do angelical
Da tua vida sobre as penas do anjo de cal
E vem, regressa, queres fugir
Ainda há tempo
Pouco mas há
E tu, sejas quem fores
Vais embrenhando teu próprio ser nas aranhas do sofrimento
Ego

- Joanaa Luna
- Pisei todos os caminhos, incluindo aqueles que estavam cobertos de Trevas. Evitei voar sobre eles mesmo na certeza de que o Sol brilhava mais acima daquele lugar. Toquei-me de Trevas e, já sem asas, ausentei-me do Sol.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Anjo de Cal
Publicada por Joanaa Luna à(s) 09:21 0 comentários
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Acordei.
Acordei?
Sinto-me cega de dor, dor que não consigo explicar. Não consigo ver, não consigo caminhar. Na verdade nem consigo entender se estou já de pé ou deitada. Sinto apenas que não me consigo sentir para além da dor. Vozes, meio gritos meio murmúrios, entoam na minha cabeça e deixam-me enjoada. Fragmentos da minha vida são agora espelhados no meu cérebro em pequenos flashes. Sou criança, a infância que não me lembro de ter tido. De repente, vejo-me sucumbir no mundo negro da depressão, mãos banhadas de sangue, olhos absortos de dor, gritos, vozes, pesadelos que tinha quando não conseguia adormecer. Anti-depressivos, anti-psicóticos, Prozac, dêem-lhe Prozac. Vejo as lâminas, acho que as sinto. Rasgam-me a carne como se fosse papel, e sabe tão bem. Os olhares condenatórios fazem-me sentir uma autêntica aberração. Os cortes aliviam os pensamentos cruéis que se apoderam de mim. Como vou fazê-los entender? Existe uma dor bem dentro de mim, uma dor que ninguém vê, os vossos olhos cegos parecem-me chamas que me queimam lentamente. Condenada à fogueira pela Inquisição da vossa voz. Que tipo de monstro sou eu? Os flashes continuam a passar, quero paré-los. Parem! Vejo o filme de uma vida que nem sei bem se é minha. E num flashe relembro a semana passada, tudo o que aconteceu. Mas não consigo decifrar este código.
Acordei?
O cheiro a sangue aqui é intenso, nauseabundo, quase repugnante. Os meus olhos parecem estar turvados, não consigo perceber onde estou. Sinto-me como um farrapo. Não tenho forças para me mexer. Por mais esforço que faça, o meu cérebro não responde, parece estar desconectado. Num segundo uma luz abre-se na minha direcção, penetra-me os pulsos feridos, como o sangue nas minhas veias sinto a luz no meu peito, arde como as chamas da fogueira do passado, e de repente mais nada...
Acordei.
Publicada por Joanaa Luna à(s) 12:25 0 comentários
sábado, 26 de setembro de 2009
Post Mortem
Em tempos fui outra. Um pedaço de carne enfraquecido com olhos quase mortos, absorvidos pelas chamas apagadas de uma quase vida quase morte. No espelho de reflexos já não me reflectia, pensava eu. Na verdade, apenas não reconhecia o meu próprio reflexo. Tudo o que conseguia enxergar era aquela mancha esborratada que mais me parecia um corpo no seu 20º dia de decomposição, quando o corpo já não é de pele, carne e osso, apenas um amontoado de vermes sedentos da podridão das vestes da minha alma triste . E morria . Olhar já de nada me servia, a capacidade de observação perdera-se lá do outro lado, naquele lado inquieto e frio onde existiam monstros de vozes mudas que gritavam em silêncio coisas pequenas mas imensas que me impediam de ver.
Mordia os lábios até sangrar e com tranquilidade sentia o sangue escorrer pelos cantos da minha boca misturado com a saliva envenenada pelo espírito . O coração sorria encantado pela sonoridade do metal que quebrava a minha pele, rasgava-me a carne e alimentava de sangue o pesar da consciência.
E eram todos felizes, na ignorância da minha dor.
Publicada por Joanaa Luna à(s) 08:25 0 comentários
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Aconteceu
Publicada por Joanaa Luna à(s) 11:35 0 comentários
Simples desejo
Vi tantas lágrimas nos olhos dela, tantos sorrisos disfarçaram aquele desespero. Até que um dia não deu para disfarçar mais nada.
Os espinhos da coroa libertaram-lhe o espírito e ele voou. Foi longe demais.
Não houve tempo para dizer adeus, as respostas ficaram por dar a perguntas ainda não formuladas.
Parecia angelical mas eram só sombras do vazio que pairava no esqueleto do nada. A chuva, aqui dentro de casa. O sol, longe deste mundo, longe dos olhos infinitos. O veludo daquele vestido e a resposta que soou em vão. Nada adiantava e ainda não adianta. Era tudo um desejo.
O desejo perdeu-se no repouso frio daquela manhã. A manhã roubou de nós aquele desejo e as memórias ou as sensações que já não são capazes de existir levaram tudo aquilo que ainda havia por criar. Só ficou esta dor sem explicação e estas vozes a segredar palavras que não entendo que não quero entender.
O desejo que era de vida, o desejo que já foi de vitória continua a crescer e hoje é este desejo, o desejo que se quebra no nevoeiro e é de morte e é de desespero, a morte virou um desejo que só eu não quero ter de desejar.
Publicada por Joanaa Luna à(s) 03:45 0 comentários
sábado, 19 de setembro de 2009
Vestígios
Um pé à frente do outro, passos contados, medida certa entre um pé e o outro, não olhes para a esquerda, muito menos para a direita, a cabeça erguida e o olhar em frente, o ritmo certo como a batida cardíaca de um coração saudável. Arritmia: um batimento descompassado, é o pé que não se põe à frente do outro, a cabeça que não está erguida, o olhar que se desviou da linha da frente. São questões, necessidades, respostas; a origem? A génese?
Todas as ruas, entradas, saídas, becos. Todos os sítios, moradas, lares. Tudo aquilo por onde passas, tudo aquilo por que passas já foi algo que não é mais, será um dia coisas que nem afiguras. Significados alteram-se, ciclos iniciam-se depois de se terem encerrado, tudo culmina e tudo renasce. Um pé à frente do outro, olhos postos na linha concreta da rotina. Tudo se passa ao teu lado, tudo te passa ao lado.
Vives. Dizem que vives. Na verdade tudo o que fazes é limitar-te a respirar. Viver requer muito mais essência. Exige muito mais dor. Desconheces-te. És irreconhecível perante ti mesmo, o vazio preenche o teu interior. Também eu sou poço de vazio, o que torna os nossos “vazios” tão distintos é que eu continuo à procura de algo que o aniquile, e tu? Tu segues imune às questões, imune às evidências do conhecimento de um antepassado que desconheces, e vais na vanguarda, um pé à frente do outro. Ignoras que atingir a meta não é o principal objectivo. Pois, de que adianta atingir a meta se o percurso que fizeste está completamente errado? De que adiantam os sorrisos se o que te faz rir e os que te fazem sorrir não te pode, não te podem fazer chorar? As lágrimas são o sangue da alma, são a sua essência. Tão poucas foram as vezes em que choraste: de que se alimenta a tua alma? Ainda serás possuidor de algum tipo de espírito ou tê-lo-ás já perdido nessa viagem que insistes em fazer, sempre com um pé à frente do outro?
Aniquilaste a essência da humanidade, e já somos tantos neste globo, tantas pessoas a vaguear: um pé à frente do outro, olhar colado na linha recta da rotina; tão poucos humanos neste mundo, os dois pés juntos no chão, olhar perdido entre muitas direcções observam e assimilam tudo, mãos que desenterram, purificam, mãos que dão à luz os abortos escondidos do passado.
Publicada por Joanaa Luna à(s) 09:46 0 comentários
Etiquetas: futuro, humanidade, passado, rotina, vida