Ela corria e pensava que ninguém ia perceber a dimensão da dor dentro dela e por mais que lhe dissessem que tudo ficaria bem ela sabia que isso não ia acontecer; ela corria e chorava enquanto pensava que o tempo não ia curar as feridas abertas, as feridas abertas no corpo, por dentro do corpo; ela corria e morria e só pensava que podia perdoar tanta coisa se soubesse como se perdoar por ter confiado. Os passos iam-se tornando mais largos, ela corria cada vez mais devagar, os pensamentos eram cada vez mais escuros e pareciam pesar-lhe no corpo. Ela já não podia com os sentimentos que lhe pesavam no corpo. Parou. A força ausentou-se dela e caiu de joelhos no chão de terra. Olhou para todos os lados e não existia ninguém. A solidão habitava aquele espaço como a habitava a ela. Por dentro ela sentia-se terra e lama, chuva gelada, vento forte e cinza. No espaço dentro dela tudo se assemelhava ao espaço fora dela. Não existia nada lá fora, e já não existia mais nada lá dentro. Viu o seu reflexo numa poça de água e quis ser ela o reflexo, ela sentia-se o reflexo desvanecido e frágil de tudo o que poderia ter sido. Ela olhava o céu e pensava que ainda podia ser capaz de lhe perdoar se soubesse como se perdoar.
A força regressou a ela. Ergueu o corpo lentamente e sorriu. Voltou as costas ao lugar da solidão e começou a correr. O peso dos sentimentos fugiu-lhe. Ela corria depressa, corria por um caminho escuro, um caminho que era cada vez mais escuro e estreito. E sorria. Ela corria e sorria e pensava que se soubesse como se perdoar ainda o poderia perdoar. Mas ela sabia que nunca se perdoaria por ter acredito e por isso jamais seria capaz de lhe dar o seu perdão. O caminho estreito, o escuro, ela a correr. Abriu a porta, entrou em casa, pisou a moldura e o vidro partido da moldura. Subiu as escadas em direcção ao quarto. Entrou no quarto com pressa de ver o que ele escondia. A cama desfeita, as roupas espalhadas pelo chão. O corpo dele espalhado pelo chão. A lembrança: ela deitada ao lado do corpo dele, do corpo dele espalhado pelo chão; ela abraçada ao corpo dele, as lágrimas dela a tocar-lhe a pele morta e o sangue. Ela estava de pé, mãos coladas na barriga que crescia invisível, e lembrava-se. O cheiro a sangue aumentava, ele não podia ver as mãos dela coladas na barriga que crescia invisível. Ela saiu do quarto, fechou a porta, desceu as escadas apressadamente, pegou na chave do carro e partiu.
Mamã onde está o pai? e uma voz que responde: está longe, mas ele manda-te esta rosa, meu amor. E a verdade vai-se escondendo por detrás de cada rosa até formar um roseiral. Mãe, nunca percebi porque são negras as rosas que o pai manda.