Ego

A minha foto
Pisei todos os caminhos, incluindo aqueles que estavam cobertos de Trevas. Evitei voar sobre eles mesmo na certeza de que o Sol brilhava mais acima daquele lugar. Toquei-me de Trevas e, já sem asas, ausentei-me do Sol.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Seremos transparentes

Todos nascemos transparentes. Puros e inocentes. Nascemos tão translúcidos que o sol consegue penetrar-nos o corpo até á alma, aquece-nos por dentro. E vamos crescendo envolvidos numa transparência que nos expõe ao mundo e o mundo olha-nos com olhos limpos para não nos sujar a brancura da transparência. Mas existe um momento em que caem do céu gotas de lama que aos poucos mancham os corpos outrora nítidos, são manchas de culpa atiradas pelos olhos da maldade (des)humana, pedaços de vidro que como lanças perfuram a inocência. Como veias abertas a inocência escorre para fora da nossa transparência e pelas feridas entra a escuridão e sujidade da lama. O tempo passa, as feridas agora curadas deixaram apenas pequenas cicatrizes, e por dentro dos que antigamente eram transparentes existe apenas um vazio que pesa preenchido pelo nada dos sentimentos imundos.
Mas existem resistentes, aqueles que ao serem tocados por gotas de lama correram para abrigos de amor. Como uma capa mágica o amor impediu que as gotas tocassem a pele dos transparentes, as lanças de vidro ficaram suspensas nas capas a alguns centímetros de ferir a inocência. Esses seres ficaram escondidos até que toda a tempestade passasse, e quando o sol voltou para aquecer as almas eles saíram. Ficaram espantados com todo aquele cenário, e já não reconheceram ninguém ali. No meio daquela escuridão que sabia caminhar destacavam-se eles, como pequenas estrelas. Depois de tanto tempo juntos foram obrigados a separar-se. Cada pequeno ser de luz caminhou numa direcção diferente entre a penumbra imunda dos outros seres. E á medida que andavam eram empurrados pelos que estavam sujos e impuros, feridos pelas lâminas da sua frieza. Ao longo do caminho foram descobrindo pequenos abrigos de amor onde, depois de tantos confrontos com aqueles que se esqueceram da felicidade da transparência, podiam refugiar-se para limpar a inocência que os preenchia.
Um dia no meio de uma tempestade de lama desapareceu o amor. Desapareceram os abrigos. Então com lâminas de pureza abriram feridas nos corpos frágeis e deixaram que a transparência lhes escapasse. Só tornando-se sujos poderiam suportar a ignorância dos Homens.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Quero ter o tempo para morrer por ti

Se eu morresse aos poucos, devagar e em câmara lenta talvez tivesses tempo para pensar se querias ou não salvar-me. Se a morte me pegasse ao colo e esperasse os dias que precisas para decidir então eu acho que ela me entregaria nos teus braços. Se o tempo para morrer me desse tempo para te ligar a meio da noite tu ias fazer-me sorrir para a morte e o som do meu riso afasta-la-ia de mim. Mas não sei se o alarme vai tocar a tempo, não sei se o alarme da minha morte vai dar-me tempo de te acordar com os olhos cheios das lágrimas que tu não viste. Talvez não me encontres mais, nunca mais. Ou podes até cruzar-te comigo na rua e sei que não vamos ter tempo para parar o relógio da vida.
Hoje pensei que morrer seria mais fácil do que existir apenas entre o peso da consciência e o vazio da saudade. Atirei-me para o chão como se te procurasse e chorei, chorei tanto que deixei de conseguir respirar, e parti a lâmpada do candeeiro que iluminava aquela triste cena. A raiva de mim despedaçou-me. Só desejei saber quanto tempo levava a morrer se me matasse, e sei que se soubesse que tinha tempo de te ver chegar para me salvares a vontade de ir para sempre desapareceria.
Mas quem sou eu? Quem sou eu para te arrastar comigo para as profundezas do meu cérebro doente e despistado? Vou deixar-te livre de mim como eu queria ser. Liberta-me de ti para morrer! Não, eu não quero ser vítima de mim mesma, vítima desta dor que não sei de onde vem. Foste porto de abrigo que afastou as ruínas da minha tristeza, e soube-me bem cada momento, soube-me bem cada momento daqueles em que me esqueci do passado. Pela primeira vez em muito tempo vi-me completar-me no reflexo dos teus olhos, e do teu lado senti-me em casa.
Não sei se vais chegar a tempo de me salvar, de me acordar do sono profundo da minha morte, se a morte me pegar ao colo para me entregar nos teus braços vais sentir-me gelada, perdida na aflição da minha ressaca, porque eu não sei se te vou ligar a meio da noite para te avisar que tá na hora, e mesmo que ligasse tu não ias compreender a dimensão das minhas palavras, porque só se ama uma vez de cada vez e a minha vez passou mesmo antes de ter chegado.
És o estranho capaz de me manter viva. Quero ter o tempo para morrer por ti.